SISTEMA DE COTAS: VOCÊ É CONTRA OU A FAVOR?



1. Quando o assunto é cotas para cidadãos negros nas instituições públicas de ensino superior, ainda não conseguimos entender porque muitos intelectuais desprezam o estudo daquilo que Marx chamava de “múltiplas determinações do concreto”, e se contentam com os argumentos contrários presentes no mais suspeito senso comum meritocrático.
PRAXEDES, R.R.; PRAXEDES, W. A favor das cotas para negros. Rev. Espaço Acadêmico, v. 2, n. 18, nov. 2002.

2. Para defender a implementação de políticas educacionais de combate à discriminação racial no Brasil, vamos iniciar a nossa argumentação apresentando um quadro que correlaciona as variáveis: a) escolaridade dos pais; e b) escolaridade dos filhos:

Quadro 1: Dados referentes à correlação entre as variáveis “Educação dos pais” e “Escolaridade média dos filhos” – Brasil, 1996.

Nivel educacional dos pais                                         Anos de estudo dos filhos
Nuna frequentou a escola                                                               3,2
Elementar incompleto                                                                    5,7
1º Grau incompleto                                                                        9,1
1º Grau completo                                                                          10,5                           
2º Grau cincompleto                                                                      11,3
2º Grau completo                                                                          11,8
Superior incompleto                                                                       11,7
Superior completo                                                                          13,1
Mestrado e doutorado                                                                     14,0         
Fonte: VALLE SILVA, Nelson. Mobilidade social no Brasil. SãoPaulo: Makron Books, 2000, p. 41.

3. Como vimos, o quadro elaborado pelos professores Pastore e Valle Silva indica que quanto maior é a escolaridade dos pais, maior tende a ser a escolaridade dos filhos.
4. Em uma escola democrática as duas variáveis – a) escolaridade dos pais e b) escolaridade dos filhos – não devem apresentar correlação, uma vez que por mais desiguais que sejam as crianças, do ponto de vista de sua origem social, cultural e econômica, a educação escolar conseguiria neutralizar as diferenças iniciais dando uma formação adequada para os educandos.
5. Entre as maiores contribuições da sociologia da educação de Pierre Bourdieu está a de ter-nos ensinado que é a família que realiza os investimentos educativos que transmitem para a criança um determinado quantum de capital cultural durante o seu processo de socialização, que inclui saberes, valores, práticas, expectativas quanto ao futuro profissional, a atitude da família em relação à escola etc.
6. O sistema escolar, ao possibilitar o sucesso para aqueles que chegam com uma maior soma de capital cultural, legitima as desigualdades sociais entre as famílias. Posteriormente, após a passagem pelo sistema de ensino “o rendimento econômico e social do certificado escolar depende do capital social – também herdado – que pode ser colocado ao ser serviço”. (BOURDIEU, 1998: 74).
7. O sistema escolar contribui para manter e legitimar as situações de desigualdade social e cultural entre os indivíduos e classes sociais, uma vez que “para que sejam favorecidos os mais favorecidos e desfavorecidos os mais desfavorecidos, é necessário e suficiente que a escola ignore, no âmbito dos conteúdos do ensino que transmite, os métodos e técnicas de transmissão e dos critérios de avaliação, as desigualdades culturais entre as crianças das diferentes classes sociais. Em outras palavras, tratando todos os educandos, por mais desiguais que sejam eles de fato, como iguais em direitos e deveres, o sistema escolar é levado a dar sua sanção às desigualdades iniciais diante da cultura” (BOURDIEU, 1998: 53).
8. Para levarmos em consideração apenas as taxas de analfabetismo entre os brasileiros,  comparando-se os dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios do IBGE (PNAD) de 1992 e 1999, “as taxas de analfabetismo tiveram redução em todos os grupos de cor, mas entre negros e pardos ainda são quase três vezes maiores do que entre brancos... Em 1992 10,6% dos brancos eram analfabetos, 28,7% dos pretos (nomenclatura oficial do IBGE) e 25,2% dos pardos. Em 1999, 8,3% dos brancos, 21% dos pretos e 19,6% dos pardos eram analfabetos” (Folha de São Paulo, 5/04/2001).
9. Caso as políticas públicas do setor de educação e a ação educativa no interior de escolas e universidades não levem em consideração esta situação de desigualdade quanto à escolarização, existente entre as famílias de negros e não-negros, continuarão a contribuir para a reprodução da situação que condena a maior parcela dos jovens negros à evasão escolar, à marginalização ou à realização das mesmas atividades profissionais menos qualificadas e remuneradas dos seus pais.
10. As cotas para alunos negros nas universidades públicas podem compor um conjunto de medidas práticas, efetivas e imediatas que apontem para o fim das desigualdades raciais na sociedade brasileira.

Conclusão
As políticas públicas em favor do igualitarismo social e econômico, que visam a atender a todos os excluídos de forma universalista, não podem servir mais para dissimular a irresponsabilidade em relação ao combate às formas de discriminação que não se fundam só no econômico, como é o caso da discriminação contra mulheres, homossexuais, deficientes físicos, índios e negros.
Bibliografia
BOURDIEU, Pierre. Questões de sociologia. Rio de Janeiro, Marco Zero, 1983.
______. Pierre Bourdieu. Coleção Grandes Cientistas Sociais. São Paulo, Ática, 1994.
______. Escritos de educação. Petrópolis, Vozes, 1998.
______. O poder simbólico. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2001.
FORACCHI, M.M. e MARTINS, J.S. - (Orgs.) - Sociologia e Sociedade. São Paulo, Livros Técnicos e Científicos, 1975.
LEFEBVRE, H. “Estrutura social: a reprodução das relações sociais”. In. FORACCHI  e MARTINS, Op. cit., pp. 219-252.
PASTORE, José: VALLE SILVA, Nelson. Mobilidade social no Brasil. SãoPaulo, Makron Books, 2000

1 comentários:

GPPPR-Bom Jesus 02 18 de julho de 2011 às 16:33  

Eu sempre estudei em escolas públicas, cursei duas universidades, não precisei utilizar o sistema de cota.
Penso que o Brasil tem uma dívida impagável para com o povo negro que tanto trabalhou na formação deste País, dando o seu sangue, seu suor, suas lágrimas em cima de tantos sofrimentos para que um dia os portugueses levassem daqui as nossas riquezas.
Hoje o governo brasileiro quer remediar uma situação que poderá resultar em mais um problema.
Sonia Maria Severino da Silva.

A TÍTULO DE APRESENTAÇÃO


Somos um grupo que possui como interesse comum a busca por conhecimento e que, graças à UFES, conseguiu se reunir no Curso de Formação em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça.

A título de apresentação, deixamos uma reflexão de Boaventura Sousa Santos, que vem ao encontro do nosso pensamento sobre a desigualdade de gênero e raça.

"Temos o direito a ser iguais sempre que a diferença nos inferioriza; temos o direito a ser diferentes sempre que a igualdade nos descaracteriza".




Grupo 02 - Polo de Bom Jesus do Norte-ES


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